Falta de acesso à educação e ao mercado de trabalho acende alerta no Fórum Econômico Mundial; taxa de desemprego na faixa etária saiu de 20,3% para 27,5% entre 2019 e 2021.
O segundo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) da pandemia terminou ontem, com o menor número de inscritos em Minas Gerais desde 2009. Em comparação com 2020, as inscrições despencaram 47,8% no Estado, acima da diminuição nacional de 46,2%. Em meio às altas taxas de desemprego e à precariedade do ensino remoto para uma parcela de formandos no ensino médio, especialistas concordam que a queda é mais um sintoma de um problema que o Fórum Econômico Mundial considera uma das maiores ameaças à agenda da economia global no curto prazo: a desilusão da juventude.
Longe de ser interpretada por especialistas em educação e economia como falta de disposição para o trabalho, a desilusão de quem ainda está se inserindo no mercado se ancora em um cenário de poucas oportunidades. Entre 2019 e 2021, a taxa de desocupação de mineiros de 18 a 24 anos subiu de 20,3% para 27,5%, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD Contínua). Cerca de 74 mil pessoas dessa faixa etária passaram a integrar o grupo dos “nem-nem”, sem estudo ou trabalho, com uma taxa que passou de 10,2% para 14,1%. Em todo o Brasil, estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) demonstra que a pandemia atingiu os jovens com mais intensidade.
Negros, mulheres e a população com ensino médio incompleto foram os mais impactados na população em geral e na juventude. O recorte racial se repete no Enem, nacionalmente: a participação de negros no exame deste ano caiu 7 pontos percentuais, enquanto a de brancos subiu 6.
A estudante Camille Sousa, 18, moradora do Conjunto Paulo VI, na região Norte de BH, está se formando no ensino médio neste ano, em uma turma de escola pública em que restam cinco alunos, segundo ela. Camile decidiu não fazer o Enem ou tentar uma vaga na universidade, por enquanto, e, há duas semanas, depois de meses buscando um emprego, encontrou trabalho como balconista em um restaurante.
“Neste ano, a gente não tem conteúdo. Se eu me sento à mesa do Enem, o Estado joga um monte de pergunta difícil, mas não dá a educação para eu responder essas perguntas. Eu quero me formar em psicologia social, mas, hoje, o diploma não é muita coisa. Trabalho com uma pessoa formada em economia que faz a mesma função que eu. Não desejo um diploma para ninguém, desejo estabilidade a todos. Não temos incentivos nem vontade, crescemos desiludidos”, diz a jovem.
Secretária executiva da organização social Em Movimento e coordenadora do Atlas das Juventudes, Mariana Resegue pondera que a redução de possibilidades profissionais para os jovens ecoa não apenas na geração de renda, mas na deterioração da saúde mental.
“A população perdeu um lastro de garantias desde a década de 2010. Nos últimos anos, tivemos uma queda de 12% no retorno da educação. Ou seja, antigamente, se você fizesse faculdade, mestrado etc., era quase garantido que sua renda iria aumentar. Mas já não existe essa garantia. É uma situação que aconteceu nos últimos anos e foi agravada pela pandemia. O caminho para muitos jovens é o subemprego para garantir a renda, em um ciclo de pobreza”, completa.
Geraldo Leão, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e um dos coordenadores do Observatório da Juventude, destaca que a precariedade do ensino na pandemia, especialmente para estudantes do ensino público, pode ter reflexos na dificuldade em conseguir trabalho, porém não a explica totalmente. “Não podemos fazer uma relação direta de causa e efeito de que os jovens não aprenderam e, por isso, terão dificuldade no mercado de trabalho, porque isso transfere para o próprio jovem a culpa por esse processo, como se ele não tivesse dado conta de aprender. Muitos fatores contribuem para a dificuldade, não só o aprendizado. Tivemos ausência de políticas públicas, falta de acesso à saúde, vimos na pandemia que houve mais mortes nos bairros pobres e que a fome voltou, com aumento do custo de vida. Há um conjunto de faltas de oportunidade”, diz.
Faltam escolaridade e políticas públicas mais eficientes
Especialistas consultados pela reportagem concordam que pavimentar um caminho sustentável de trabalho para a juventude passa pelo reforço da educação e políticas públicas. “Hoje, o jovem acaba fazendo qualquer trabalho para sobreviver. Vemos os entregadores por aplicativo. Eles têm uma carga grande de trabalho, salário muito baixo e não têm uma formação no processo”, exemplifica a coordenadora do Atlas das Juventudes, Mariana Resegue.
A ONG Rede Cidadã faz a ponte entre trabalhadores e empresas para contratação de jovens aprendizes, sob a Lei da Aprendizagem, que prevê a contratação de pessoas de 14 a 24 anos por empresas de médio a grande porte. “O que acontece hoje é que, se considerarmos o potencial de contratação e o número real de contratados, temos mais ou menos 50% de cumprimento da lei. Se tivéssemos 20% mais de cumprimento, teríamos 200 mil famílias alcançadas e uma situação melhor”, conclui.
CRISE PREJUDICA MAIS A JUVENTUDE
Historicamente, a taxa de desocupação dos jovens é maior que a da população em geral, porém a pandemia agravou desigualdades e empurrou ainda mais os menos escolarizados para trabalhos precários, explica a diretora de Estatística e Informações da Fundação João Pinheiro (FJP), Eleonora Cruz Santos. “A economia brasileira não tem nenhum tipo de solidez desde 2015. O país flexibilizou as regras do mercado de trabalho, e isso gerou mais fragilidade para o trabalhador, a precarização. Os jovens são mais vulneráveis ainda, porque quem tem de 18 a 24 é dispensado primeiro em uma crise”, destaca.
A dificuldade de inserção com qualidade do jovem no mercado de trabalho também repercute na produtividade da economia, lembra a pesquisadora Maria Andréia Lameiras, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). “Existem alguns trabalhos que mostram que, quando um jovem chega ao mercado em uma época em que esse mercado está ruim, seja por conta de uma recessão ou, agora, por conta da pandemia, há perda de produtividade por esse trabalhador”, disse.
Segundo avaliações do diretor da Fundação Getulio Vargas (FGV) Social, Marcelo Neri, o Brasil está nos anos finais para aproveitar seu bônus demográfico, período em que a população economicamente ativa supera a população dependente. O país tem até 2025 para fomentar a inclusão sustentável da juventude no trabalho, de acordo com a análise, sob risco de desperdiçar essa janela de oportunidade.
Fonte: O tempo